
Malu Gaspar, uma das principais colunistas de O Globo, publicou há dois dias informação de notório interesse social, a de que o Banco Master contratou o escritório de advocacia de Viviane Barci, mulher do ministro Alexandre de Moraes. A repercussão foi imediata por duas razões: o valor expressivo de R$ 3,6 milhões mensais por três anos e o “escopo bastante amplo, o de representar o Master onde for necessário”, sem especificar uma única causa ou processo.
Matéria de dois dias atrás falava em “representar o Master onde for necessário”
Hoje, como se nada tivesse acontecido, a jornalista reproduz trechos do contrato com sua delimitação para atuar na defesa dos interesses do banco e de seu dono, Daniel Vorcaro, “junto ao Banco Central (BC), à Receita e ao Congresso Nacional”.
Não só, o documento que selou a parceria traz em seu o objeto as atividades de “organização e coordenação de cinco núcleos de atuação conjunta e complementar – estratégica, consultiva e contenciosa – perante o Judiciário, o Ministério Público, a Polícia Judiciária, órgãos do Executivo (Banco Central, Receita Federal, PGFN (Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, Cade (órgão de defesa da concorrência) e Legislativo (acompanhamento de projetos de interesse do contratante)”.
Contrato do Banco Master com o escritório da mulher de Moraes prevê atuação perante Banco Central, Receita Federal e Cade — Foto: Reprodução
Na prática, o escritório faria a partir de então praticamente a coordenação de todas as atividades jurídicas externas de interesse do Master, o que não pode ser considerado de antemão incomum ou mesmo ilegal. Ou seja, a notícia de dois dias atrás levou todo o país a duvidar imediatamente de que qualquer serviço houvesse sido prestado; de que, em vez de assessoria jurídica, estaríamos diante de um caso notório de compra de influência de um escritório vinculado ao mais destacado ministro do Supremo.
A primeira reportagem tinha a obrigação de trazer esses detalhes, o que não a tornaria menos importante. Não só pelo valor expressivo do contrato, mas pelo interesse natural gerado em decorrência do seu próprio objeto. Cabem, sim, perguntas mais profundas a Viviane sobre os serviços efetivamente prestados no período, considerando o interesse nacional sobre o caso Master. Sonegar essa informação, porém, gerou ilações e boataria, com dano direto à imagem do escritório, do ministro e de sua mulher.
A imprensa tem o dever de criticar e escrutinar a vida privada de pessoas públicas, quando há suspeita de imoralidades ou ilegalidades, mas deve fazê-lo com zêlo e responsabilidade. Jornalistas erram, muitas vezes tentando acertar, e o erro não os torna menos competentes, apenas humanos. A diferença está em admitir o erro. Na imprensa, existe um jargão para isso. Chama-se ‘Erramos’, já que a responsabilidade do repórter deve ser compartilhada com editores, diretores e até o dono do veículo.
A MANCHETE ‘ERRAMOS’
Em agosto de 2000, o Correio Braziliense se tornou o primeiro jornal do país a publicar um “erramos” em sua manchete, para corrigir uma informação errada publicada no dia anterior. Como a matéria errada havia sido divulgada na manchete, o jornal decidiu dar o mesmo destaque à correção. O diretor de Redação era Ricardo Noblat, que demonstrou coragem ao tomar atitude inédita:
“Está equivocada a reportagem publicada na edição de ontem do Correio Braziliense sob o título O grande negócio de Jorge. A reportagem diz que uma empresa, a DBO, sigilosamente associada a outra, a DTC, mantinha contrato milionário com o Banco do Brasil. E um dos sócios da DTC era o secretário do Palácio do Planalto Eduardo Jorge Caldas Pereira. Há erros na informação quanto ao nome e o local da sede da DBO e nenhuma evidência de que esteja ligada à DTC. Nem o contrato milionário com o Banco do Brasil, que o Correio informou ter sido assinado, realmente o foi.”
O caso do Correio virou ponto de inflexão na imprensa, que deve ter o compromisso primordial com a verdade dos fatos, mesmo quando as versões parecem mais apetitosas. Cobertura não pode ser confundida com campanha, contra quem quer que seja. Quando isso acontece, o resultado tende a ser inverso ao pretendido, com corruptos e corruptores sendo absolvidos pela Justiça e pela opinião pública.