
Há atos que só podem ser praticados por pessoas desesperadas e que não tenham mais nenhuma esperança.
E não é para menos, levando-se em consideração tudo o que ocorreu nos últimos anos em julgamentos, digamos, inusitados, que vai contra a própria jurisprudência da Excelsa Corte, como muito bem delineado pelo Ministro Fux em seu voto histórico, que será estudado por muitos e muitos anos nas universidades.
Falo do ato do Deputado Federal Alexandre Ramagem, que, ao que tudo indica, exilou-se nos EUA, assim como o fez o Deputado Eduardo Bolsonaro.
Não tenho a menor dúvida em afirmar que ambos serão condenados definitivamente pela Excelsa Corte, como o foram praticamente todos os acusados pelos atos de 8 de janeiro e muitas outras pessoas ligadas ao ex-presidente Bolsonaro.
Quem lê meus artigos e publicações, e assiste aos meus vídeos e entrevistas, sabe o que penso tecnicamente e não vou aqui relembrar, bastando acessar minhas páginas ou pesquisar na Rede.
A questão que fica é a seguinte: é caso de decretação de prisão preventiva?
A prisão preventiva é medida excepcional, que só deve ser decretada em crimes graves, naqueles dolosos cuja pena privativa de liberdade máxima cominada no tipo penal exceda a quatro anos, ou se o delito envolver violência doméstica ou familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para assegurar a execução das medidas protetivas de urgência, ou, ainda, quando o agente não é identificado ou reincidente em crime doloso (art. 313 do CPP).
Além desses requisitos, devem estar presentes uma das circunstâncias previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal, quais sejam: para a garantia da ordem pública ou da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, desde que devidamente fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos, que justifiquem a adoção dessa severa medida que, como já dito, é excepcional.
No caso, como a denúncia foi oferecida e recebida, e o deputado condenado à pena de 16 anos, um mês e 15 dias de reclusão, além da multa penal, sem que tenha ocorrido o trânsito em julgado do acórdão, isso indica que, segundo a Excelsa Corte, há certeza da autoria e da materialidade dos delitos imputados: golpe de estado, abolição violenta do Estado Democrático e organização criminosa armada.
Sobre esses crimes e se há elementos para sua configuração, já cansei de escrever e não vou repetir o que penso.
Poder-se-ia, caso se comprovasse o efetivo asilo do deputado no exterior, ser pedida e deferida a prisão preventiva por risco de fuga, isto é, para assegurar a aplicação da lei penal, o que de fato ocorreu.
No entanto, mesmo que essa comprovação não ocorresse e o deputado retornasse ao Brasil, a chance de ser preso assim que pisasse em solo nacional seria enorme.
Ademais, como foi apreendido o passaporte do Deputado e proibida sua saída do território nacional, com a viagem para os EUA configurou o descumprimento da medida cautelar e esse fato autorizava sua conversão em prisão preventiva.
Após a decretação da prisão cautelar, somada à sua condenação a penas extremamente elevadas, duvido que ele retorne ao Brasil.
E entre nós, na situação dele e de vários outros acusados, dificilmente alguém, se pudesse, ficaria no Brasil para cumprir pena de pelo menos 16 anos de reclusão, além da decretação da perda do cargo ou aposentadoria (para funcionários públicos civis e militares), sem contar o bloqueio de bens e valores para pagamento da indenização e multas milionárias.
Ou seja, a vida dessas pessoas está arrasada, e algumas morrerão na prisão em razão da avançada idade e de problemas de saúde.
Pessoas de bem, com currículo e vida pública e privada destruídos, que foram apenadas de forma nunca vista neste país e com processos tocados a toque de caixa, com evidentes traços do direito penal do inimigo.
Enfim, certo ou errado, depende de quem analisa o ato desesperado de Ramagem e da forma como o faz.
E você, o que faria nessa mesma situação?
Autor: César Dario Mariano da Silva – Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá.
