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Voepass 2283: como avião caiu em quintal no interior de SP e matou 62 pessoas sem ferir ninguém em solo
Por Silvio Cassiano - SiCa
Publicado em 09/08/2025 09:39
Últimas Notícias

 

Duas curvas. Cinco espirais no ar. Era início da tarde de 9 de agosto de 2024 quando moradores de Vinhedo (SP) viram o voo Voepass 2283 perder totalmente o controle no céu e, logo em seguida, despencar no quintal de uma casa em um condomínio. Ninguém sobreviveu.

 

Nos 81 segundos que a aeronave levou para atingir o solo após a perda total de controle, a velocidade da queda chegou a 440 km/h. A trágica dança do ATR 72-500 naquela sexta-feira fria terminou com uma marca no chão e, surpreendentemente, sem ferir ninguém em solo em meio a um bairro repleto de casas.

 

Entre passageiros e tripulantes, 62 histórias foram interrompidas abruptamente em um acidente que ainda não tem respostas definitivas. Isso porque o relatório final do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), o único documento capaz de apontar as causas da queda, não tem data para ser divulgado. A expectativa do órgão é que ele saia até o fim de 2025.

 

 

Enquanto as investigações prosseguem, depoimentos de ex-funcionários da companhia aérea ajudam a elucidar os problemas de manutenção que antecederam a maior tragédia aérea do país em quase duas décadas – incluindo uma falha omitida no diário de bordo horas antes da queda.

 

 

A noite anterior

Quinta-feira, 8 de agosto de 2024. Em Ribeirão Preto (SP), o piloto que utilizou o “Papa Bravo” (como o avião era conhecido devido ao prefixo PS-VPB) na noite anterior ao acidente disse à equipe de manutenção que teve problemas com o sistema de degelo.

 

Em entrevista exclusiva ao g1, uma testemunha que trabalhava no setor de manutenção da Voepass relatou que, conforme informado verbalmente pelo piloto, o sistema de degelo estava desarmando automaticamente logo após ser acionado.

 

Se registrado, um problema como esse deveria impedir a aeronave de decolar na manhã seguinte, já que, segundo o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil, o pleno funcionamento do sistema de degelo é condição obrigatória para voos com destino a regiões com previsão de formação de gelo – como no trajeto do voo 2283 no dia do desastre.

O piloto, porém, decidiu não formalizar o relato. Com isso, a falha foi omitida do diário de bordo técnico (TLB) e, conscientemente, ignorada pela liderança do hangar naquela madrugada. “O próprio líder questionou: 'bom, se ele não reportou em livro, não tem pane na aeronave'. Esse era o legado da empresa: se o comandante reporta, tem ação de manutenção; se não reportou, eles não vão perder tempo com nada que ele falar”, disse o ex-funcionário.

 

 

TLB é a sigla em inglês para diário de bordo técnico, um livro que registra as principais ocorrências mecânicas a bordo de uma aeronave. Esse tipo de documento é obrigatório pelas normas da aviação comercial de passageiros no Brasil e no exterior.

 

Outra questão afetou a manutenção do ATR 72-500: a equipe responsável estava reduzida em Ribeirão Preto naquela madrugada porque parte dos mecânicos foi deslocada para agilizar a liberação de outra aeronave, que estava parada há mais tempo.

 

Sem funcionários suficientes e diante da decisão da liderança de ignorar a fala do piloto, o time fez os ajustes mais imediatos na aeronave. “Essa falha que apresentou no airframe [fault, falha no sistema de degelo] ninguém foi pesquisar porque estava sem funcionário”, contou a testemunha.

 

A Voepass não quis dar entrevista e afirmou, em nota, que a segurança sempre foi prioridade da companhia e que “sempre atuou cumprindo com as exigências rigorosas que garantem a segurança das suas operações aéreas”. Leia a posição completa da empresa no fim da reportagem.

 

Aeronaves da Voepass no Aeroporto Leite Lopes, em Ribeirão Preto (SP) — Foto: Marcelo Moraes/EPTV

Aeronaves da Voepass no Aeroporto Leite Lopes, em Ribeirão Preto (SP) — Foto: Marcelo Moraes/EPTV

 

O dia da queda

Sexta-feira, 9 de agosto de 2024. Uma frente fria derrubou as temperaturas no Centro-Sul do país. Na região de Vinhedo, o dia começou totalmente nublado, assumindo um tom de cinza que, um ano depois, segue marcado na memória de vizinhos do condomínio como um sinal ou presságio.

 

Fazia frio e chovia incessantemente. O relatório preliminar do Cenipa revelou que, em altitudes mais elevadas, havia bastante umidade e temperaturas abaixo de zero. Isso favoreceu a formação de gelo severo nas aeronaves (chamado de FGA), especialmente entre o Norte do Paraná e São Paulo.

 

Esse gelo se concentrava, principalmente, entre 3.600 e 4.200 metros de altitude, podendo chegar até 7 mil metros em alguns pontos em São Paulo. A previsão também indicava turbulência moderada a severa a partir de cerca de 6 mil metros de altitude e se estendendo acima dos 7.600 metros.

 

Imagens obtidas pelo g1 mostram o momento em que os primeiros passageiros formaram uma fila no portão de embarque e, pouco depois, caminharam pela pista do Aeroporto Regional do Oeste, em Cascavel (PR), em direção à aeronave.

 

O relógio marcava 10h59. Rafael e Liz, pai e filha, eram os primeiros na fila para o embarque. Ela, serelepe como toda criança de 3 anos, esperava ansiosa pelos próximos passos da viagem rumo a Florianópolis (SC), onde os dois passariam juntos o Dia dos Pais.

 

 

Alguns minutos depois, outros passageiros se juntaram à fila. Os motivos para cada um estar ali eram vários: havia quem estivesse a caminho das férias, pagando promessas, viajando a trabalho ou para visitar a família. Leia aqui as histórias de cada uma das vítimas.

 

Assim que embarcou, Rosana mandou uma mensagem no grupo da família preocupada. “Que medo desse voo, juro, avião velho. Tem uma poltrona quebrada, caos”. Maria Auxiliadora e José Cloves aproveitaram para mandar uma selfie de dentro do avião à única filha.

 

11h41. O copiloto da aeronave, Humberto Alencar, se preparava para iniciar a viagem em direção a Guarulhos, e aproveitou uma breve pausa para enviar um áudio à esposa, Rosana Ferreira, detalhando o percurso em direção a Cascavel.

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