
Segundo o jornal Folha de São Paulo, sob orientação da Casa Civil e do Ministério da Fazenda, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) redirecionou em 2024 o programa de combate à fila do INSS para priorizar a revisão de benefícios já concedidos, como estratégia para frear o avanço dos gastos previdenciários e assistenciais. A mudança visava gerar economia no curto prazo e atender às exigências fiscais do arcabouço, ainda que em detrimento da concessão de novos benefícios, que ficaram represados.
Segundo documentos obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação e confirmados por três fontes envolvidas nas decisões, o Instituto Nacional do Seguro Social passou a utilizar o programa de bônus — criado para acelerar a análise de requerimentos — para focar na apuração de irregularidades e revisão de benefícios, sobretudo por incapacidade. A medida provocou reações internas e ampliou a fila de espera.
O estoque de pedidos, que havia chegado a 2 milhões em dezembro de 2023, continuou crescendo e bateu 2,6 milhões em 2024. A lista inclui aposentadorias, pensões, auxílios maternidade e benefícios assistenciais como o BPC (Benefício de Prestação Continuada).
A reorientação foi acompanhada de ofícios técnicos assinados pela presidência do INSS e pela Diretoria de Benefícios, que estabeleciam a priorização das tarefas de revisão com base em critérios fiscais. Um deles mencionava “a prevalência do cenário de restrição orçamentária” como justificativa para limitar a concessão de novos benefícios. Os autores desses ofícios — Alessandro Stefanutto e Vanderlei Barbosa dos Santos — foram afastados em abril deste ano, após a deflagração da operação Sem Desconto, da Polícia Federal, que investiga fraudes em consignações associativas no INSS.
O ex-ministro da Previdência Carlos Lupi (PDT) confirmou que houve uma orientação superior para priorizar as revisões e admitiu ter se incomodado com a decisão. “Mas quando é uma decisão governamental, a gente acata, ou sai [do governo]”, afirmou.
Em julho de 2024, quando o prazo médio para concessão de benefícios caiu para 34 dias — abaixo do limite legal de 45 —, técnicos da equipe econômica alertaram que seria preciso “moderar” o ritmo das concessões para preservar o equilíbrio com o Orçamento. Na época, o governo precisava bloquear R$ 15 bilhões em despesas discricionárias, boa parte deles relacionados à Previdência e ao BPC.
Apesar da reorientação e da expectativa de gerar alívio fiscal, a economia real obtida ficou abaixo do esperado. Cerca de 50% dos benefícios revisados foram considerados indevidos, mas a economia chegou a R$ 2,4 bilhões — insuficiente para atender às estimativas da equipe econômica.
A gestão enfrentou resistência técnica dentro do INSS e, em outubro, o novo modelo já estava consolidado. Nos meses seguintes, houve queda na quantidade de benefícios analisados e aumento no tempo médio de concessão, que fechou 2024 em 42 dias e seguiu em alta em 2025.
Pressionado pela repercussão negativa e pelo acúmulo da fila, o governo retomou o programa original de combate à fila em abril de 2025, após a aprovação do Orçamento. O estoque voltou a cair naquele mês pela primeira vez desde junho de 2024.
Em nota oficial, o Ministério da Previdência Social negou que a fila tenha sido represada por razões fiscais e afirmou que “é absolutamente infundada a ideia de que o governo tenha, a qualquer pretexto, represado a concessão de benefícios”. O Planejamento também declarou que “restrição orçamentária nunca foi critério para o pagamento de benefícios obrigatórios”.
