
Uma cartilha com orientações práticas para usuários de drogas durante abordagens policiais foi habilitada para concorrer a um prêmio do Ministério da Justiça e causou indignação generalizada nesta quinta-feira (24). O material, intitulado “Deu Ruim? Fica Frio. O que fazer se você estiver com drogas e for abordado pela polícia”, orienta jovens a como evitar problemas com a polícia mesmo estando em posse de entorpecentes — e foi, até esta manhã, tratado como uma iniciativa “inovadora” na política de drogas pelo governo federal.
A cartilha foi elaborada pela Frente Mineira de Drogas e Direitos Humanos e habilitada para o Prêmio Maria Lúcia Pereira, promovido pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), ligada ao Ministério da Justiça. Entre os “conselhos”, o documento diz:
“Caso esteja andando com alguma droga, evite andar sozinho. Prefira andar em grupo.”
“Evite ficar em lugares muito visados por policiais.”
“Não ande com grandes quantidades de drogas. Se for comprar, vá direto para casa depois.”
A proposta soou, para muitos, como um guia de sobrevivência para infratores da lei, com tom quase instrutivo sobre como driblar abordagens policiais. O próprio título — “Deu Ruim? Fica Frio” — foi interpretado por críticos como um deboche à legalidade e uma normalização do porte de drogas como comportamento juvenil tolerável.
Diante da forte repercussão negativa após reportagem da revista Veja, o Ministério da Justiça suspendeu imediatamente a participação do projeto no prêmio, tentando conter o desgaste.
Em nota oficial, o órgão afirmou que “a Senad não coaduna com qualquer orientação que afronte as leis do país e que possa representar burla às autoridades policiais”. Ainda assim, o episódio revelou uma grave falha de curadoria dentro do próprio ministério, que inicialmente habilitou o projeto para concorrer a recursos públicos de até R$ 50 mil.
Para especialistas em segurança pública e parlamentares da oposição, a iniciativa passa um recado perigoso: o de que o Estado, em vez de combater o tráfico e o consumo de drogas, está ensinando como se comportar durante uma atividade criminosa.
“É um escândalo o governo habilitar com dinheiro público uma cartilha que ensina como portar droga sem ser preso. Isso é institucionalizar o crime sob a desculpa dos direitos humanos”, criticou um deputado federal que acompanha os desdobramentos do caso.
A Senad tentou justificar a habilitação da cartilha como parte de um esforço para mapear ações sociais que contribuam com políticas de redução de danos e enfrentamento do uso problemático de drogas. Mas o conteúdo do material, claramente voltado para evitar detenções durante o porte de substâncias ilegais, coloca em xeque os limites desse discurso.
O episódio levanta dúvidas sobre a real direção da política de drogas do governo Lula e reforça a crítica de que há uma desconexão entre o combate à criminalidade e a lógica ideológica de certos setores do governo.
Mesmo com a suspensão da premiação, o estrago político está feito: o governo federal teve que admitir que quase premiou uma cartilha que ensina como andar com drogas sem ser pego — um constrangimento digno de manual próprio.
No fim das contas, “Deu Ruim?” não foi só o título da cartilha — virou o resumo perfeito de mais um tropeço da gestão Lula em uma área que exige responsabilidade, seriedade e, acima de tudo, respeito à lei.
